sexta-feira, 28 de maio de 2010

O arrebatamento: O que as Escrituras ensinam?

Importante: O texto a seguir é de autoria de William Hendriksen (1900/1982). Renomado pastor, professor e autor de diversos comentários bíblicos, foi uma das maiores autoridades da atualidade na escatologia cristã.

Leitura Bíblica: 1Ts 4:13-18.

Tendo refutado a concepção dispensacionalista relativa ao arrebatamento, deixe-nos agora mostrar o que as Escrituras de fato ensinam a respeito disto:


Um arrebatamento? Sim, mas será tanto “com” quanto “para” os santos.


A conversão dos tessalonicenses era muito recente. O perigo de recaída às convicções e costumes pagãos não era improvável. Uma destas crenças pagãs era a lamentação pelos mortos, como se não houvesse nenhuma esperança. Mas seguramente para o cristão há esperança. Para ele há um futuro glorioso, para sua alma e seu corpo. Por isso, o aflito não deveria se entristecer “como os demais, que não têm esperança”. O apóstolo continua, dizendo que:

“Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia, os que dormem”.
Note: “com ele”. Este é o significado: O mesmo Deus que ressuscitou Jesus dos mortos também ressuscitará dos mortos os que pertencem a Jesus. Ele os trará com Jesus do céu, ou seja, ele trará a sua alma do céu, de forma que ela poderá ser reunida rapidamente, num instante, ao seu respectivo corpo, no qual ela sairá para encontrar o Senhor nos ares. Quando o Senhor, em sua natureza humana, deixar o céu, estas almas partirão com ele. Mas tenha em mente que Jesus deixará o céu em alma e corpo. As almas, porém, descem até a terra a fim de serem reunidas a seus respectivos corpos. Então estas pessoas ressuscitadas ascenderão rapidamente, para encontrar Jesus enquanto ele ainda estiver “nos ares”. E assim, nós veremos que nosso Senhor vem com os seus santos, ou seja, com as suas almas e para seus santos, isto é, para eles por inteiro (sua alma e seu corpo). Isto tudo corresponde a uma única volta.
Se os dispensacionalistas estivessem corretos, a vinda com os santos seria sete anos após a vinda para seus santos. Esqueça tudo sobre os sete anos. Estes intérpretes estão colocando a carroça à frente dos bois. Há uma vinda, mas com relação a esta vinda de Cristo, o “com” de fato precede o “para”, e não ao contrário. Porque nós lemos no versículo 14:

“Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia” (esses que dormiram).
E, então, os versículos 16 e 17 nos dizem que as pessoas, cada alma reunida a seu corpo, serão arrebatadas, portanto, é pelo poder de Deus através de Cristo que elas ascendem, pois Jesus veio para elas, para sempre estar com elas, e elas com ele.

Um arrebatamento? Sim, mas definitivamente não mil anos antes da ressurreição dos ímpios.


Os dispensacionalistas gostam de frisar a declaração de que “os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro” (1Ts 4:16). Eles interpretam como se a passagem inteira estivesse nesta ordem:

“E os mortos EM CRISTO ressuscitarão primeiro. Então, mil anos depois, os mortos NÃO EM CRISTO ressuscitarão”.
Porém, em nenhuma parte no parágrafo inteiro Paulo diz “então, os mortos NÂO EM CRISTO ressuscitarão”. Paulo só está pensando em crentes, em ninguém mais. Ele está mostrando um contraste entre “os mortos” em Cristo e “os que ainda estão vivendo” em Cristo.
Por um lado, haverá os crentes que, na vinda de Cristo, já estarão mortos. Por outro, haverá os sobreviventes, filhos de Deus que ainda estarão vivendo na terra. O que o apóstolo está dizendo, então, está complementando isto:

“Não se preocupem sobre seus entes queridos que morreram no Senhor. Em sentido nenhum eles sofrerão qualquer dano quando Jesus voltar. Pelo contrário, os que ainda estiverem vivos na terra terão que esperar um momento até que as almas dos que morreram reabitem seus corpos. Naquele momento de espera, os sobreviventes serão transformados num piscar de olhos. Então, juntos, como uma grande multidão, esses, que antes constituíram dois grupos, irão encontrar o Senhor”.
Assim, por favor, coloque ênfase na palavra certa, e leia como segue:
“E OS MORTOS em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, NÓS, OS VIVOS, os que ficarmos, SEREMOS ARREBATADOS juntamente com eles, entre as nuvens”.
Um arrebatamento? Sim, mas não secreto e silencioso.

Note as palavras:

“Dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus”.
Este foi chamado de “o versículo mais ruidoso na Bíblia”. Seguramente, este versículo indica que a vinda do Senhor será pública e audível. Para detalhes da explicação sobre a natureza deste grito de comando, do arcanjo e da trombeta, leia atentamente meu Commentary on Thessalonians (Comentários do Novo Testamento – 1 e 2 Tessalonicenses). O retorno de Cristo será claramente visível (Ap 1:7).

Um arrebatamento? Sim, mas não sob o ponto de vista das bodas de sete anos.


Nós lemos:

“Estaremos para sempre com o Senhor”.
Por favor, observe que as palavras são “para sempre”, e não “sete anos”. Para sempre com o Senhor. Como isso será maravilhoso!
“Então, encorajem-se uns aos outros com estas palavras.”

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O arrebatamento: No que acreditam os dispensacionalistas?

Importante: O texto a seguir é de autoria de William Hendriksen (1900/1982). Renomado pastor, professor e autor de diversos comentários bíblicos, foi uma das maiores autoridades da atualidade na escatologia cristã.

Introdução.


Quando Jesus retornar, não só os incrédulos, mas também crentes, ainda estarão na terra (1Ts 4:15,17). O que acontecerá a estes crentes que permaneceram e aos que já tiverem morrido?

Entre os que amam o Senhor há uma diferença marcante de opinião a respeito deste assunto. Atacando os pontos de vista dispensacionalistas nós queremos que se faça entendido que nós estamos atacando suas ideias, não quem as defende. Sobre quem as defende, eles são nossos irmãos e irmãs no Senhor. Não é com eles, mas com alguns de seus pontos de vista que nós temos uma disputa. Além disso, até onde o atual capítulo está preocupado, nós simplesmente apresentaremos os pontos de vista deles, e todos nossos embates serão feitos por meio do debate adicional, ao fim deste capítulo. O que nós diremos sobre os pontos de vista dos dispensacionalistas será objetivo. Não obstante, apressamo-nos a acrescentar que entre os dispensacionalistas há uma grande diferença de opinião, e qualquer tentativa de entender os pontos de vista deles será realmente fracassada, a menos que tenhamos em mente que o que é apresentado é o ponto de vista de muitas – mas não de todas – pessoas.


Note as três passagens a seguir.


Os dispensacionalistas apelam para Gênesis 5:21-24; João 14:1-3; e 1ª Tessalonicenses 3:11-13, em defesa de suas teorias relativas ao arrebatamento (sim, eles também apelam a 1ª Tessalonicenses 4:13-18, mas esta passagem será discutida no próximo capítulo).

Portanto, serão dadas umas poucas palavras sobre cada uma destas três passagens. Gênesis 5:21-24 vem como uma surpresa. Seis vezes seguidas lemos “e morreu”. E, de repente, deparamo-nos com uma breve biografia de Enoque. Durante 365 anos este homem viveu em comunhão íntima com Deus. Não obstante, ele não era nenhum monge ou asceta.

“Andou com Deus... e teve filhos e filhas.”
E, então, depois destes 365 anos na terra, “Deus o levou”. Enoque nunca morreu totalmente. Ele simplesmente foi recebido no céu.
Em João 14:1-3, nosso Senhor está com os seus discípulos no cenáculo durante a noite da última ceia. Jesus conforta seus discípulos e lhes diz que não se preocupem, mas que confiem. Além disso, ele os assegura que, embora os esteja deixando, não os está esquecendo, e que sua partida é para o bem deles, pois ele vai preparar um lugar para eles na casa do Pai, quem tem muitas moradas. Ele prossegue:

“E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo”.
Isto se refere, indubitavelmente, à segunda vinda de Cristo, ao momento em que ele receberá os seus em sua amorosa presença para sempre permanecerem com ele.
1ª Tessalonicenses 3:11-13 contém a oração de Paulo em que ele pede que possa voltar para os tessalonicenses. E ele expressa o fervoroso desejo de que, seja esse pedido atendido ou não, o Senhor, de qualquer forma, encha os tessalonicenses com tal medida transbordante de amor, que o coração deles seja fortalecido de forma que frutifique para o dia do juízo, quando Jesus virá com todos os seus santos, ou seja, com todos o seus redimidos.


Como os dispensacionalistas usam estas passagens no interesse de seu ponto de vista a respeito do arrebatamento.


Os dispensacionalistas distinguem pelo menos duas segundas vindas. Portanto, segundo eles acreditam, haverá uma primeira segunda vinda a qual eles dão o nome de “arrebatamento”, e uma segunda segunda vinda, a qual eles dão o nome de “revelação”. Em defesa da primeira segunda vinda eles apelam a Gênesis 5:21-24 e a João 14:1-3, e em defesa da segunda segunda vinda eles apelam a 1ª Tessalonicenses 3:11-13. Portanto, eles falam de uma vinda de Cristo “para” os seus santos (o arrebatamento), e uma vinda “com” os seus santos (a revelação). Estas duas vindas estão, supostamente, separadas por um intervalo de sete anos.

Os dispensacionalistas nos falam que o arrebatamento será invisível e inaudível (até onde os homens estão em geral preocupados). Digamos que um dispensacionalista projete seus pensamentos para o futuro, e produza um jornal – quer dizer, um “extra” – como ele pensa que será a imprensa um dia antes da primeira segunda vinda de Cristo. Este jornal descreve um homem que, ao despertar, descobre, para seu terror, que sua esposa não está mais ao seu lado na cama. Também sua filha desapareceu misteriosamente. Por toda parte da cidade desapareceram sem deixar vestígios. Estes são os verdadeiros crentes, que foram arrebatados para que durante sete anos eles possam desfrutar de supremo regozijo com o seu Senhor no céu. Isto é chamado de “as bodas do Cordeiro”.
Agora, na terra, durante estes mesmo sete anos, o Senhor começa a tratar novamente com os judeus. Eles voltam ao seu próprio país. Embora, no princípio, muitos deles sirvam ao Anticristo, eles (ou muitos deles) subseqüentemente vêem seus erros e aceitam a Cristo. Mas isto significará grande tribulação para eles (alguns deles serão mortos até mesmo pelo Anticristo, de forma que, quando os sete anos terminarem, terá de haver uma ressurreição dos santos da tribulação).

Quando o sete anos – isto é, a septuagésima semana de Daniel 9:27 – terminarem, Cristo e os seus redimidos retornarão do céu para a grande batalha, ou seja, o Armagedom (como estes dispensacionalistas o concebem). Esta é a vinda “com” os santos (1Ts 3:13). Eles caem sobre o Anticristo e suas hostes, para a libertação daqueles que, durante os sete anos de tribulação, foram convertidos. Um autor não dispensacionalista, mas que está completamente de acordo com suas obras, diz que, de acordo com os dispensacionalistas, esta batalha será aquela...

“...na qual serão envolvidos o santos, pecadores, judeus, espíritos malígnos, demônios desencarnados, anjos santos, santos glorificados, Satanás, e Cristo, todos se empenhando em lutar intensamente entre sangue, suor, imundícies, sujeiras, pó, com armas de fogo, espadas, venenos, toxinas, tanques e aviões”.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O milênio: Qual o significado de “o reinado dos santos”?

Importante: O texto a seguir é de autoria de William Hendriksen (1900/1982). Renomado pastor, professor e autor de diversos comentários bíblicos, foi uma das maiores autoridades da atualidade na escatologia cristã.

A relação entre a prisão de Satanás e o reinado dos santos.


Nós nos referimos ao milênio no mundo como “a prisão de Satanás”, e ao milênio no céu como “o reinado dos santos”. Os versículos 1-3, que estudamos no capítulo anterior, se referem à prisão de Satanás. Os versículos 4-6 são concernentes ao reinado dos Santos. Por “santos” nós queremos dizer os redimidos no céu.
Certamente, estes dois aspectos do milênio – a prisão de Satanás e o reinado dos santos – estão intimamente relacionados. É em relação ao reinado pessoal de nosso Mediador divino e humano, que Satanás está preso, de forma que a influência dele na terra definitivamente é restrita em um aspecto (como nós já vimos). É em relação ao mesmo reinado pessoal de Jesus em e desde o céu que as almas dos crentes que partiram estão reinando.
Agora, com relação a este reinado de mil anos dos versículos 4-6, eu me empenharei para responder a quatro perguntas: “Quando” ocorrerá? “Onde” ocorrerá? “Qual” é seu caráter? E “quem” dele participará?

Quando ocorrerá?


Foi indicado que na terra, o milênio ou os “mil anos” abrange o período da primeira até a segunda vinda de Cristo. Não com exatidão, mas aproximadamente. Na terra, o milênio terminará justamente pouco antes da segunda vinda, para ceder espaço ao “pouco tempo de Satanás” (um período de grande tribulação para a Igreja, o tempo do Anticristo) que precederá imediatamente o retorno glorioso de Cristo. Naturalmente que no céu não haverá nenhum tal “pouco tempo”. Portanto, o reinado dos santos se estende totalmente desde a primeira até a segunda vinda de Cristo. Claro que não se estende além da segunda vinda. Por que não? Os santos não reinarão com Cristo no céu, e igualmente após o retorno de Cristo para o julgamento? Realmente, mas se você ler cuidadosamente os versículos 4-6, você notará que o reinado dos santos é de fato o reinado de suas almas. Depois da segunda vinda de Cristo, não somente as almas reinarão, mas alma e corpo! Portanto, o milênio no céu se estende até a segunda vinda e a ressurreição, não além deste ponto.

Onde ocorrerá?


A resposta é: onde os tronos estiverem, porque nós lemos:
“Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada a autoridade de julgar”.
De acordo com o livro inteiro de Apocalipse, o trono de Cristo e de seu povo sempre esteve no céu. Ali também é onde as almas dos mártires moram em seu estado desencarnado, por que nós lemos:
“Vi ainda as almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus”.
João vê almas, não corpos. Tais almas desencarnadas estão vivendo no céu, não na terra. E, também, onde Jesus vive, porque nós lemos:
“E viveram e reinaram com Cristo”.
De acordo com o Apocalipse, o Cordeiro é representado como que vivendo no céu. Portanto, o reinado de mil anos acontece no céu.

Qual é seu caráter?


É um viver com Cristo: “e viveram e reinaram”. No céu estas almas são ilustradas como que tomando parte em todas as atividades do Mestre. Elas estão com ele no monte divino de Sião. Elas (simbolicamente falando) seguem-no em cavalos brancos. Julgam com ele e constantemente o louvam pelos seus juízos íntegros (“justos e verdadeiros são os teus caminhos”). Elas têm uma parte em sua glória real. Portanto, elas se assentam com ele em seu trono. Elas recebem o seu nome em suas frontes. Não somente ele, mas também cada uma delas, recebe uma coroa dourada, as quais elas depositam em adoração diante de seu trono.

E quem dele participará?


Em primeiro lugar, a alma dos mártires, “decapitados por causa do testemunho de Jesus”. Segundo, também, todos os outros crentes que descansaram em Jesus, “tantos quantos não adoraram a besta”, etc.

sábado, 1 de maio de 2010

O Israel de Deus em Romanos 11 - Parte 5

...continuação.

Importante
: O texto a seguir é de autoria de O. Palmer Robertson, doutor em teologia pelo Union Theological Seminary, em Virgínia, EUA. Também é professor de Teologia e de Antigo Testamento.


Quem, portanto, constitui o “todo Israel” que deverá ser salvo? Essa expressão abrange toda a igreja de Cristo, inclusive todos os crentes judeus e gentios? Ou ela se refere mais especificamente aos judeus eleitos que serão salvos?

Na realidade, cada uma dessas interpretações tem sérios argumentos a seu favor. Todas se encaixam no contexto do argumento de Paulo, em Romanos 11, e sustentam uma questão teológica válida.

Contudo, é possível dizer que “todo Israel” se refere a todos os eleitos judeus na nação de Israel. O compromisso de Deus de preservar um número seleto dentro da comunidade judaica permeia essa seção da argumentação do apóstolo. Pelo processo descrito nos versículos anteriores de Romanos 11, todos os judeus eleitos serão salvos. Como alguns membros da comunidade judaica são “provocados ao ciúme” quando observam os gentios receber as promessas da antiga aliança, eles são enxertados na verdadeira comunidade de Deus. Devido a isso, o endurecimento aconteceu a parte de Israel até todos os gentios chegarem, e dessa forma, todos os eleitos dentro da comunidade de Israel serão salvos. O fato de, nessa visão, o termo Israel ser usado de duas maneiras diferentes em versículos consecutivos (Rm 11:25,26) não deveria ser motivo de confusão. Quando paulo diz, em Romanos 9:6, que “nem todos os descendentes de Israel são Israel”, está usando o termo Israel com dois significados diferentes em um único versículo.

Se “todo Israel” for entendido como referindo-se especificamente aos judeus de Israel escolhidos pela graça soberana de Deus para a salvação, então o “ministério” mencionado no versículo 25 poderá ser entendido mais claramente. Esse ministério, portanto, seria aquela parte de Israel que é endurecida, enquanto o remanescente é escolhido para a salvação. Antes, vemos que esse endurecimento não é simplesmente do coração de alguns judeus, mas um endurecimento judicial por parte de Deus que aparece como alternativa para a eleição. Conforme mostrado, Paulo esclarece essa passagem do Antigo Testamento: “Deus lhes deu […] olhos para não ver e ouvidos para não ouvir” (Rm 11:8).

Seria compreensível se todos os judeus fossem condenados, já que Israel como nação rejeitou Cristo. Entretanto, seria compreensível se todos os judeus fossem salvos à luz das promessas da aliança de Deus com os patriarcas. Mas o fato de que alguns judeus são condenados e outros são salvos permanece um “mistério” da graça de Deus. Ninguém pode compreender totalmente esse mistério. Ele continua a fazer parte dos propósitos ocultos de Deus e reflete sua soberania em salvar alguns de uma massa de pecadores indignos e outros endurecidos.

À luz dessa análise da linha de pensamento de Paulo, a conclusão a que se pode legitimamente chegar é a de que “todo Israel” refere-se a todos os judeus eleitos. Todos do verdadeiro Israel de Deus, o eleito do Pai, serão salvos. [13]

Entretanto, uma análise mais detalhada leva à conclusão de que “todo Israel” consiste não em todos os judeus eleitos, mas em todos os eleitos de Deus, quer sua origem seja judaica quer gentia. A principal evidência que sustenta essa visão encontra-se na expressão de Paulo anterior à referência a “todo Israel”. Ele diz que Israel experimentou o endurecimento em parte, “até que entre a plenitude dos gentios” (ARC Rm 11:25), e dessa forma “todo o Israel” será salvo (v. 26). A “plenitude dos gentios” refere-se a todos os povos eleitos das nações gentias do mundo.

Mas como todos os gentios eleitos entram? A resposta é inevitável. Os gentios crentes entram em Israel! Não foi exatamente isso que Paulo quis demonstrar anteriormente nesse capítulo? Os gentios foram “enxertados entre” o Israel de Deus (Rm 11:17). Eles tornaram-se novos ramos, unidos ao único tronco que é Israel. Portanto, a comunidade de crentes gentios tornou-se “participante” (synkoinonos) da rica raiz da oliveira que é Israel (Rm 11:17). Em outras palavras, ela tornou-se “israelita”.

O mesmo pensamento torna-se um tema importante na carta posterior de Paulo aos cristãos efésios. Antes os gentios “estavam sem Cristo, separados da comunidade de Israel” (Ef 2:12). Mas agora eles tornaram-se “co-herdeiros [synkoinonos], o mesmo termo é usado em Rm 11:17] com Israel, membros [syssoma] do mesmo corpo, e coparticipantes [symmetocha] da promessa em Cristo Jesus” (Ef 3:6).

A inclusão total dos gentios em Israel é o outro lado do mistério sobre o qual Paulo fala (Rm 11:25; v. Ef 3:6). O mistério é que Deus, na dispensação soberana de sua graça, endureceu alguns em Israel e salvou outros. No entanto, ele incorporou os crentes gentios totalmente a Israel.

É nesse contexto que “todo Israel”, em Romanos 11:26, chega a sua definição final. De acordo com Paulo: “Israel experimentou um endurecimento em parte, até que chegue [a Israel] a plenitude dos gentios. E assim todo o Israel será salvo”. Todos que são produto da graça eletiva de Deus, vindo tanto de comunidades judaicas como gentias, constituirão o Israel final de Deus. “Todo Israel”, portanto, consiste no corpo inteiro do eleito de Deus em meio aos judeus e aos gentios. Esse é o grupo que Paulo chama de “o Israel de Deus”, em Gálatas 6:16, no qual insiste que os cristãos devem caminhar de acordo com a regra de que nenhuma distinção deve ser feita entre pessoas circuncidadas e incircuncidadas (v. 15). Aqui, Paulo usa claramente o termo Israel para designar os judeus eleitos e os gentios também eleitos que, juntos, constituem o Israel de Deus. Se dissesse o contrário, ele estaria contradizendo sua própria “regra” de vida de que não se deve fazer nenhuma distinção entre circuncidados e incircuncidados com respeito à posse das bênçãos da redenção. [14]

Essa interpretação de “todo Israel” é corroborada pelas citações de Paulo das Escrituras da antiga aliança. “Todo Israel” será salvo porque “está escrito” (Rm 11:26b). O apóstolo, depois, cita passagens de Isaías e Jeremias. O redentor virá “de” Sião e aos que em Jacó se arrependerem (v. 59:20,21). De acordo com sua aliança com eles, ele perdoará seus pecados (v. Jr 31:33,34).

Uma comparação do Texto Massorético, da Septuaginta e do Novo Testamento revela uma ênfase interessante na análise de Paulo das palavras de Isaías relacionadas a “todo Israel”. Isaías primeiramente declarou que um redentor viria “a [ou para] Sião”. A Septuaginta enfatiza que o redentor viria “por causa de Sião” (heneken Sion), que é uma interpretação aceitável do hebreu original (lesiyyon). Mas Paulo modifica essa perspectiva, declarando que o redentor viria “de” Sião (ek Sion). A pequena mudança de perspectiva de Paulo ajusta-se perfeitamente à perspectiva missionária encontrada no versículo anterior, em Isaías:
“Desde o poente os homens temerão o nome do Senhor, e desde o nascente, a sua glória” (Is 59:19a).
Todo o conceito paulino do processo da história da salvação pode ser entendido sob essa luz. Como os judeus rejeitaram o Messias, são inimigos “por causa” dos gentios (Rm 11:28a). Esse modo de se expressar, realmente, é muito estranho e, no entanto, ajusta-se perfeitamente à perspectiva de Paulo na relação de judeus e gentios no plano de Deus. Em consequência da rejeição de Jesus pelos judeus, a mensagem da salvação chega aos gentios.

Esse argumento encontra uma demonstração concreta no registro de Lucas sobre a primeira jornada missionária de Paulo. Quando os judeus em Antioquia da Pisídia começaram a blasfemar contra Paulo, ele declarou:
“... uma vez que […] não se julgam dignos da vida eterna, agora nos voltamos para os gentios” (At 13:46).
Ele seguiu o mesmo padrão, posteriormente, em Corinto: “Opondo-se a eles e lançando maldições, Paulo […] lhes disse:
Caia sobre a cabeça de vocês o seu próprio sangue! Estou livre da minha responsabilidade. De agora em diante irei para os gentios” (At 18:6).
Dessa maneira, a rejeição a Jesus pelos judeus trouxe a bênção aos gentios. Esse fato nunca impediu Paulo de apresentar o evangelho “primeiro aos judeus” (Rm 1:16). Mas essa rejeição também encorajou a levar a mesma boa nova da redenção aos gentios, para que eles pudessem se tornar plenos participantes nas bênçãos de Cristo.


Mas, como Paulo também argumenta, se a rejeição dos judeus é a riqueza dos gentios, quanto mais significará sua plenitude! (Rm 11:12). Os gentios convertidos, por sua vez, tornam-se instrumento de Deus para converter os judeus eleitos, o que demonstra que, “de acordo com o princípio da eleição”, eles ainda são amados de Deus por causa dos patriarcas (Rm 11:28b). Por sua reentrada na comunidade de Deus, os judeus crentes trazem grande bênção a todo o corpo de Cristo. Por causa desse processo maravilhoso, Israel está para os gentios assim como os gentios estão para Israel. É na plenitude de Israel que as nações experimentarão suas mais ricas bênçãos, e é nessa conversão das nações que Israel realizará sua própria plenitude designida por Deus. Pois...
“... assim como Israel, pela desobediência, tornou-se o motivo da salvação para os gentios, agora os gentios devem provocar ciúme em Israel”. [15]
Portanto, é possível falar de uma interdependência de judeus e gentios na experimentação das bênçãos do Reino do Messias, em um “movimento ondulatório de salvação”. [16] Toda essa riqueza chega...

“... por causa do caráter gracioso da eleição de Deus e por causa de Cristo, que é a descendência de Abraão, assim como o segundo Adão, aquele no qual a igreja como um todo, judeus e gentios juntos, tornou-se um corpo e um novo homem.” [17]
No fim, a atividade graciosa de Deus de chamar os eleitos de dentro de Israel à salvação está ligada à presente hora pelo uso, por parte de Paulo, da palavra “agora” em três momentos. Os gentios agora receberam misericórdia; os judeus agora se tornaram desobedientes, para que possam também agora receber a misericórdia (Rm 11:30,31).
Um pensamento final deve ser observado com respeito à questão maior do futuro de Israel representado em Romanos 11. Não há nada nesse capítulo a respeito da restauração de um Reino terrestre de Davi, de um retorno à terra da Bíblia, da restauração de um Estado nacional de Israel ou da igreja de cristãos judeus separada dos cristãos gentios. [18] Pelo contrário, o Israel redefinido de Deus inclui tanto judeus quanto gentios em um corpo. Em termos da disseminação do evangelho hoje, é essencial que os cristãos judeus reconheçam que sua comunhão com cristãos gentios é um elemento vital na conversão de outros judeus. Pois seja qual for o critério que o homem use, é pela sabedoria do mistério de Deus que os judeus serão convertidos quando seu ciúme for provocado ao verem as bênçãos de seu Deus sobre os gentios. Ao mesmo tempo, é essencial que os cristãos gentios busquem também uma comunhão com os cristãos judeus. Pois a conversão dos judeus enriquecerá imensamente a experiência do evangelho pelos gentios.

A Deus seja dada toda glória (Rm 11:33-35)! A salvação é inteiramente do Senhor! Que a graça prevaleça! Sim, Deus fará com que alguns de Israel sejam preservados em cada geração. Mas eles serão unidos por uma grande multidão de cada tribo, povo, língua e nação.
“Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém.” (Rm 11:36).
Chegamos ao final da série de estudos sobre o Israel de Deus em Romanos 11 pelo ponto de vista amilenista, por O. Palmer Robertson.

[13]
Essa é a posição assumida pelo presente autor na versão original deste material. Cf. D. Martyn Lloyd-Jones, em The church and the last things, p. 113: As palavras “todo Israel” devem significar “a totalidade de todos os judeus crentes em todas as eras e gerações”. Curiosamente, esse parágrafo anterior declara que a “descendência de Abraão” não é o Israel nacional, físico, mas “todos os filhos da fé, todos que praticam a fé no Senhor Jesus Cristo, que pertencem a ele e são redimidos por ele”. Lloyd-Jones, a seguir, vai além e declara sua fé pessoal em uma conversão maciça dos judeus antes do final dos tempos.
[14]
V. a análise completa de Gl 6:16 acima, p. 39-45.
[15]
Herman Ridderbos, Paul: an outline of this theology. London: SPCK, 1977, p. 359-60.
[16]
Ibid., p. 360.
[17]
Ibid., p. 361.
[18]
Cf. Bruce, The epistle of Paul to the Romans, p. 221; C. E. B. Cranfield, A critical and exegetical commentary on the epistle to the Romans, The International Critical Commentary (Edinburgh: T. & T. Clark, 1975, 1979) p. 579.

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