quarta-feira, 29 de abril de 2009

Terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo?

...continuação.

IMPORTANTE: O texto a seguir é de autoria de Harald Schaly, falecido pastor batista e mestre do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (no Recife).

Paulo fez a pergunta e dá a resposta: “De modo nenhum” (Rom. 11:1). Deus reservou para si um remanescente, assim como, no tempo de Elias, reservou para si sete mil varões (Rom. 11:4).
“Assim, pois, também no tempo presente ficou um remanescente segundo a eleição da graça” (Rom. 11:5). “Pois quê? O que Israel busca, isso não o alcançou; mas os eleitos o alcançaram; e os outros foram endurecidos” (Rom. 11:7).
O profeta Isaías, falando da destruição de Jerusalém e do exílio babilônico, já nos mostra um precedente:
“Um resto voltará; sim, o resto de Jacó voltará para o Deus forte. Porque ainda que teu povo, ó Israel, seja como a areia do mar, só um resto dele voltará...” (Is. 10:21,22).
O apóstolo Paulo cita esta passagem e a aplica à situação então existente (Rom. 9:27).
Esse remanescente, que, com Elias, atingira o número de sete mil, quando Paulo escreveu esta carta já atingira a soma de dezenas de milhares de judeus cristãos (At. 21:20). E estes perpetuaram o Israel verdadeiro, desde então o único Israel de Deus, que, na linguagem figurada de Paulo, formavam, agora, a verdadeira oliveira, da qual os ramos endurecidos “foram quebrados pela sua incredulidade” (Rom. 11:20) e na qual os gentios, conforme iam crendo em Jesus, estavam sendo enxertados, tornando-se “participantes da raiz e da seiva da oliveira” (Rom. 11:17). Os demais judeus, que, como ramos, foram quebrados, poderiam também ainda ser enxertados, se não permanecessem na incredulidade (Rom. 11:23). Paulo era um desses ramos que foram quebrados, por sua incredulidade, mas que foi enxertado na oliveira verdadeira, quando se converteu, e assim esperava ver se, de algum modo, poderia incitar à emulação os do seu povo e salvar alguns deles (Rom. 11:14).
Mas, quanto aos judeus descrentes, aplicar-se-ia novamente o que Deus, por intermédio dos profetas, disse em ocasião anterior:
“Desampararei os restantes da minha herança, e os entregarei na mão de seus inimigos; tornar-se-ão presa e despojo para todos os seus inimigos” (2ºReis 21:14,15).
... o que já ocorrera, com a primeira destruição do Templo, pelos babilônicos, e ocorreria, novamente, com a destruição de Jerusalém no ano 70 d.C. pelos romanos.
Deus não rejeita os judeus que não permanecem na incredulidade, mesmo depois de terem-se fechado ao cristianismo. Aqui temos nomes de judeus convertidos que se destacaram na história até os nossos dias:
“Os primeiros quatorze bispos da Igreja em Jerusalém foram judeus convertidos. Hegésipo, o historiador do segundo século, era um judeu convertido. Nicolau de Lyra, do décimo quinto século, era um judeu convertido. Neander, famoso historiador eclesiástico, era um judeu convertido. Helmuth Huron, filho de um rico banqueiro, e que muito contribuiu para a promoção da educação, era um judeu convertido. O bispo anglicano Schereschewsky, que se tornou um dedicado missionário na China, tradutor e inventor de uma máquina de escrever chinesa, era um judeu convertido. Ginsburg, o hebraísta; Pascal, o cientista; Edersheim, o comentarista bíblico, eram judeus convertidos. Não iremos citar cerca de cinqüenta nomes de judeus famosos que temos em mão, mas só alguns mais conhecidos, como Mendelssohn, Meyerbeer, Offenbach, Rubinstein, músicos famosos e judeus convertidos. Herschell, atrônomo; Rosa Bonheur, pintora; Lord Beaconsfield e Lord Herschell, Primeiro Ministro e Chanceler Britânico, respectivamente; Joseph Pulitzer, e muitos outros. Ainda que desses talvez nem todos fossem genuinamente convertidos, eram judeus que professavam o cristianismo.” [6]
Aqui no Brasil, os batistas devem muito a Salomão Ginsburg, que era um judeu convertido. Se houve, através da história, tantos judeus cristãos de renome, quantos milhares ou milhões de judeus desconhecidos não teriam se convertido genuinamente e sido absorvidos no cristianismo!? Disso não duvidamos. E esperamos que possa ocorrer ainda um grande número de conversões entre os judeus, antes da volta de Cristo, e assumam a liderança da evangelização do mundo.
Diz a revista Das Auserwaehlte Volk (da Igreja Luterana de Buenos Aires, em cooperação com a Junta Americana de Missões aos Judeus):
“Precisamos trabalhar para que os judeus possam reconhecer sua responsabilidade sacerdotal, através da realização de seus ideais messiânicos, pois o destino de Israel está indissoluvelmente ligado a Cristo. No caminho ao Gólgota se apóia o futuro de Israel. Só depois de se reconciliarem com Jesus de Nazaré, e andarem no caminho que ele lhes determinou, livrar-se-ão das misérias de sua existência atual e se tornarão uma benção para a humanidade. Só em Cristo alcançarão, os judeus, novamente a sua missão perdida, com a possibilidade de liderança na luta, em que estamos empenhados, pela vitória da justiça sobre a terra.” [7]
Mas, quando Paulo escreve “E assim todo o Israel será salvo” (Rom. 11:26), devemos lembrar que nunca o verdadeiro Israel de Deus foi a totalidade dos israelitas, “Porque nem todos os que são de Israel são israelitas” (Rom. 9:6). E, se Paulo quisesse dizer que “todo o Israel” seria salvo, será que isso se referiria só à última geração, só aos israelitas que estivessem vivos por ocasião da vinda de Cristo? Seriam só estes todo o Israel?
Lemos ainda:
“Ora, se o tropeço deles é a riqueza do mundo, e a sua diminuição a riqueza dos gentios, quanto mais a sua plenitude” (Rom. 11:12).
Plenitude não pode, como alguns querem, significar totalidade, mas refere-se à plenitude dos israelitas “segundo a eleição da graça” (v. 5, 7), pois no v. 25, logo adiante, lemos:
“... até que a plenitude dos gentios haja entrado”.
Não pode isso significar que a totalidade dos gentios se converterá, mas também aqui, só pode conotar a plenitude dos gentios eleitos pela graça.
Portanto, quando Paulo diz: “E assim todo o Israel será salvo”, refere-se ao verdadeiro Israel, espiritual, composto dos verdadeiros cristãos, tanto de procedência gentia como judaica. Este Israel, sim, será todo salvo, porque Jesus diz:
“Eu lhes dou a vida eterna, e jamais perecerão; e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10:28).
Isso não quer dizer que Deus tenha agora despeito para com os judeus, mas que ele ama igualmente toda a humanidade, e não tem mais povo ou povos ou raças preferenciais, quer seja o povo brasileiro, inglês, alemão ou norte-americano, etc. Deus não age mais, quanto à formação do seu reino, com povo algum, coletivamente, mas com indivíduos dentre todos os povos.
O apóstolo Pedro, como toda a igreja primitiva, que era composta só de judeus cristãos, ainda pensava que Cristo havia vindo só para os judeus, e foi preciso uma revelação especial para ele ir à casa de Cornélio, que era gentio, e concluir, dizendo:
“Na verdade reconheço que Deus não faz acepção de pessoas; mas que lhe é aceitável aquele que, em qualquer nação, o teme e pratica o que é justo” (At. 10:34, 35).
E Deus teve que operar um milagre na casa de Cornélio, dando uma manifestação perceptível do Espírito Santo, para que a igreja primitiva reconhecesse que ele aprova a recepção de gentios convertidos como irmãos em Cristo. Mas, assim mesmo, um grupo considerável deles, que foi denominado “judaizante”, ainda achava que o evangelho era só para judeus, e que o gentio, para se tornar aceitável a Deus, deveria não só aceitar a Cristo, mas tornar-se judeu por meio da circuncisão e da guarda da lei mosaica.
Nem o povo judeu nem os povos chamados cristãos são o povo de Deus, mas, sim, todos aqueles que são genuinamente crentes convertidos, tanto de procedência gentia como judaica. Estes, e só estes, formam “a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido”, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. Que em outro tempo não eram povo, mas agora são povo de Deus; que não tinham alcançado misericórdia, mas agora a têm alcançado (1ª Ped. 2:9,10).
Portanto, Deus não tem dois povos escolhidos, mas um só Israel, e este é o Israel espiritual, composto de todos os genuínos crentes em Cristo, dentre todos os povos, raças e línguas, porque Jesus diz: “Ninguém vem ao Pai, senão por mim.”
Fritz May escreve: “Se Deus tivesse rejeitado o seu povo, então Israel como povo já há muito teria perecido.” [8]
Se Israel existe hoje como um povo inassimilável, é devido à sua atitude hostil para com Jesus.
O Israel temporal encerrou sua missão quando rejeitou Jesus, que era o descendente de Abraão, a quem, segundo Gálatas 3:16, “foram feitas promessas” e a quem Deus “constituiu herdeiro de todas as coisas” (Heb. 1:2). E o Israel espiritual é exclusivamente herdeiro, pois Paulo escreve: “E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme à promessa” (Gal. 3:29).
Dezenas de milhares de judeus se converteram e iam-se convertendo no período apostólico, mas, quando perceberam que os gentios estavam sendo aceitos como cidadãos do reino, em pé de igualdade, os judeus fecharam-se quase totalmente ao cristianismo, ao qual perseguiram, no seu início, na Judéia, e, depois, por toda parte onde os apóstolos pregavam o evangelho ou estabeleciam igrejas (ver At. 14:2,19; 17:5; 18:12; Ap. 2:9; 3:9; etc.)
Até hoje “a parede de separação que estava no meio”, a inimizade (Ef. 2:14), ainda não foi removida, pois, para o judeu praticante, Deus ainda “faz acepção de pessoas”.
Os judeus só não desapareceram porque o judeu praticante, ainda por convicções religiosas arcaicas, continua racista, e por isso é inassimilável por outros povos. Esta é a razão principal dos seus problemas internacionais, onde quer que se encontrem, e agora, também, no Estado de Israel.
Nota do MAC: Com base nesse último parágrafo, é válido salientar que tal afirmação não pode ser generalizada, ou seja, nem todos os judeus procedem dessa forma (embora eu tema que seja a maioria) e que os problemas de Israel não se resumem somente ao racismo. Talvez, hoje, esse nem seria o maior dos problemas de Israel.
O atual Estado de Israel, nas circunstâncias em que se encontra, precisa de apoio do mundo cristão, e, para não perdê-lo, precisa manter certa tolerância, mas não assegura a liberdade religiosa.
Segundo Fritz May, Schalom Bem Chorim, ao lhe ser perguntado se os judeus cristãos eram hostilizados, quanto às suas práticas e testemunho público, respondeu: “Lamentavelmente isso ocorre. Mas é preciso que se compreenda que, para o judeu comum... o judeu batizado ainda é considerado como traidor, como, de fato, os desertores do judaísmo foram considerados através dos séculos, e os maiores antisemitas foram judeus batizados.” [9]
Assim, por exemplo, em princípios de 1974, foram incendiados, em Jerusalém e no Monte das Oliveiras, diversos centros cristãos: o Centro Teológico do Instituto Luterano Sueco, o Centro das Comunidades Batistas, a Livraria da Missão Sionista.
E, quando o prefeito de Jerusalém prometeu compensação financeira a essas instituições cristãs, pelos prejuízos que sofreram, o prefeito foi, pelo telefone, ameaçado de morte. [10]
Mas não é só o judeu comum que hostiliza a liberdade religiosa em Israel: o Estado o faz também oficialmente.
Temos à mão dois artigos de jornais batistas dos Estados Unidos tratando das restrições religiosas legalizadas em Israel por uma lei de dezembro de 1977, confirmada em abril de 1978, que proíbe, sob pena de cinco anos de prisão, oferecer ou aceitar induções visando mudanças de religião.
Nota do MAC: Para informações atuais a respeito de Israel, acesse o site portasabertas.org.

“O Pastor Sakhnini, da Igreja Batista de Nazaré, diz: ‘Naturalmente nós somos contrários, também, se estas induções significam suborno por vantagens materiais.’ Mas, confirma ele: ‘Tudo o que fazemos é feito para influenciar pessoas a aceitar o evangelho, tanto a pregação como ensino e ajuda. O problema é a interpretação que possa ser dada a essa lei, que visa especificamente ao trabalho missionário evangélico. O rabino Yehuda Meir Abrahamowitz, membro do Knesset (Parlamento), que introduziu a lei, diz: ‘Há centenas de missionários trabalhando aqui; isso tem que parar.’”
“’O que significará indução nessa lei?’ pergunta o líder cristão. ‘Legalistas podem arrazoar que uma creche ou uma escola cristã que recebe crianças, tanto cristãs, árabes como judias, consistem em indução. A dádiva de um livro, a entrega de um folheto explicando o cristianismo poderá ser interpretado como indução para mudar de religião?’” [11]

Robert Lindsay, representante dos batistas do Sul dos Estados Unidos em Israel, diz: “... a intenção dos que promoveram esta nova lei é de dar fundamento legal à intimidação dos cidadãos cristãos residentes em Israel.”
Apesar de alguns jornalistas israelitas dizerem que essa lei é a primeira legislação antimissionária nos trinta anos da história do Estado de Israel, várias provisões legais já existem contra conversões. O Código Criminal existente trata da conversão de menores. Pessoas participantes de cerimônias que marquem mudança de religião de menores estão sujeitas a serem condenadas à prisão.
Referente a esse assunto, é mencionado um encontro de seis destacados líderes Batistas do Sul dos Estados Unidos com o embaixador de Israel nos EUA, Sincha Dinitz, que prometeu usar toda a sua influência para impedir embaraços aos cristãos afetados por essa lei. [12]
Portanto, particular e oficialmente, Israel ainda é intolerante para com o cristianismo, e “não agradam a Deus... e nos impedem de falar aos gentios para que sejam salvos” (1ª Ts. 2:15,16).

Chegamos ao final desta série de estudos sobre Israel pelo ponto de vista amilenista, por Harald Schaly.

[6] Christian Victory, p. 9, dezembro de 1966.
[7] Das Auserwaehlte, Igreja Luterana de Buenos Aires. Outubro de 1954.
[8] May, Fritz. Israel Zwischen Weltpolitik und Messiaserwartung, p. 69.
[9] Idem, ibid., p. 182.
[10] Christianity Today, p. 54. 10 de fevereiro de 1978.
[11] “Baptists Continue Protest Over Israel Law”, Arkansas Baptists News Magazine, fevereiro de 1978.
[12] Baptist Satandard, 20 de setembro de 1978.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Os judeus, como coletividade, nação, povo ou raça, não são mais o povo de Deus.

...continuação.

IMPORTANTE
: O texto a seguir é de autoria de Harald Schaly, falecido pastor batista e mestre do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (no Recife).


O que diz o titulo acima é evidenciado em várias passagens, das quais iremos citar algumas, mais expressivas, começando com a parábola dos lavradores maus, que Jesus proferiu na última semana de seu ministério em Jerusalém, no templo, dirigindo-se especialmente aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos que estavam presentes e que representavam a nação e o povo judaico.

A parábola mencionada encontra-se nos três evangelhos sinópticos – Mateus, Marcos e Lucas – e iremos transcrevê-la como encontrada no evangelho de Mateus 21:33-45.

“Ouvi, ainda, outra parábola: Havia um homem, proprietário, que plantou um vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar, e edificou uma torre; depois arrendou-a a uns lavradores e ausentou-se do país.
E quando chegou o tempo dos frutos, enviou os seus servos aos lavradores, para receber os seus frutos. E os lavradores, apoderando-se dos servos, espancaram um, mataram outro, e a outro apedrejaram. Depois enviou ainda outros servos, em maior número do que os primeiros; e fizeram-lhes o mesmo.
Por último enviou-lhes seu filho, dizendo: A meu filho terão respeito. Mas os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: Este é o herdeiro; vinde, matemo-lo, e apoderemo-nos da sua herança.
E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e o mataram. Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? Responderam-lhe eles: Fará perecer miseravelmente a esses maus, e arrendará a vinha a outros lavradores, que a seu tempo lhe entreguem os frutos. Disse-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que os edificadores rejeitaram, essa foi posta como pedra angular; pelo Senhor foi feito isto, e é maravilhoso aos nossos olhos? Portanto eu vos digo que vos será tirado o reino de Deus e será dado a um povo que dê os seus frutos...

Os principais sacerdotes e os fariseus, ouvindo essas parábolas, entenderam que era deles que Jesus falava (negrito acrescentado).

De Lucas 20:16, vemos que não somente os líderes religiosos e políticos presentes entenderam que Jesus ensinava que Deus iria rejeitar Israel como seu povo escolhido, mas também o povo presente na ocasião o entendeu, pois, quando Jesus disse que o reino lhes seria tirado, disseram: “Tal não aconteça!”

No cap. 8 de João, lemos de uma polêmica que os judeus tiveram com Jesus. Quando eles disseram:

“Nosso pai é Abraão”. Disse-lhes Jesus: Se sois filhos de Abraão, fazei as obras de Abraão. Mas agora procurais matar-me... Vós fazeis as obras de vosso pai. Replicaram-lhe: Nós não somos nascidos de prostituição; temos um Pai, que é Deus. Respondeu-lhes Jesus: Vós tendes por pai o Diabo, e quereis satisfazer o desejos de vosso pai; ele é homicida desde o princípio” (v. 39-44).
Volvamo-nos, agora, ao que Paulo escreveu aos gálatas, na sua epístola, no cap. 3, verso 16:

“Ora, a Abraão e a seu descendente foram feitas as promessas; não diz: E a seus descendentes, como falando de muitos, mas como de um só: E a teu descendente, que é Cristo.”
Algumas versões usam o termo posteridade, em vez de descendente. Mas posteridade, ainda que no singular, dá uma conotação coletiva, que não se entrosa satisfatoriamente nesta argumentação, em que Paulo está falando de uma só pessoa: “a teu descendente”, que é Cristo”.

Na epístola aos Hebreus, 1:2, lemos que Deus “o constituiu herdeiro de todas as coisas”.

Em Gálatas 3:29, Paulo escreve:

“E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a promessa.”
E João Batista diz:

“... até destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Lc 3:8).
Na alegoria que o apóstolo Paulo faz de Sara e Agar, na sua epístola aos Gálatas, 4:21-30, os judeus, então centralizados em Jerusalém, apegados à lei e hostilizando os cristãos, são representados como filhos de Abraão pela sua concubina e escrava Agar, como foi Ismael, gerados para a servidão sob a lei mosaica, enquanto os cristãos, que formam a Jerusalém espiritual, que é de cima, são representados como Isaque, filho de Sara, filho da promessa, para a liberdade cristã. E Paulo acrescenta ainda:

“Mas, como naquele tempo o que nasceu segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim é também agora” (v. 20 – confira At 17:5; 18:12; 22:27; Ap 2:9; 3:9; etc.).
“Que diz, porém, a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da escrava herdará com o filho da livre” (v. 30).

Mas o que Paulo escreveu na sua primeira epístola aos Tessalonicenses, 2:14-16, parece-nos ser a expressão mais decisiva quanto à cessação da aliança coletiva de Deus com o povo de Israel:
“Pois vós, irmãos, vos haveis feito imitadores das igrejas de Deus em Cristo Jesus que estão na Judéia... porque também padecestes de vossos próprios concidadãos o mesmo que elas padeceram dos judeus; os quais mataram ao Senhor Jesus, bem como aos profetas, e a nós nos perseguiram, e não agradam a Deus, e são contrários a todos os homens, e nos impedem a falar aos gentios para que sejam salvos; de modo que enchem sempre a medida de seus pecados; mas a ira caiu sobre eles afinal.”
continua...

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Terá Deus hoje dois povos escolhidos – o judeu e o cristão?

IMPORTANTE: O texto a seguir é de autoria de Harald Schaly, falecido pastor batista e mestre do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (no Recife).

Neste primeiro capítulo, sob o titulo acima, pretendemos demonstrar biblicamente que, uma vez completado o ministério de Cristo, somente os verdadeiros cristãos, quer de precedência gentia ou judaica, são única e exclusivamente o povo de Deus.

1. Em Cristo, não há mais distinção entre judeus de gentios
.

O apóstolo Paulo foi grandemente hostilizado pelos judaizantes, isto é, um grupo grande de judeus cristãos da igreja primitiva, que insistia em que Cristo era só para os judeus, e que os gentios que tivessem crido em Cristo só estariam salvos e qualificados para o Reino dos Céus se adotassem também as práticas judaicas, como a circuncisão e a guarda da lei mosaica. Toda a epístola de Paulo aos Gálatas visa refutar essa idéia de que o Reino dos Céus era só para os judeus e aqueles gentios que tivessem também adotado as práticas e leis judaicas.
Hoje, os nossos irmãos dispensacionalistas afirmam que o Reino dos Céus é só para os judeus, em contraste com o Reino de Deus, que, segundo eles, inclui os anjos e os santos do passado, presente e futuro. O Reino dos Céus, que para eles é o Milênio, será um império mundial judaico, com sua sede em Jerusalém, de onde Jesus, assessorado pelos judeus, dominará o mundo inteiro.
Este Reino dos Céus, ou Milênio, segundo eles, será estabelecido com a volta de Cristo, sete anos depois do arrebatamento da Igreja, e esta voltará com ele, mas seus componentes já estarão revestidos de corpos imortais e incorruptíveis, “nem se casarão nem se darão em casamento, mas serão como os anjos que estão nos céus”. Eles conviverão com esta população ainda mortal e corruptível, mas não se sabe ainda qual será sua função específica no Milênio.
Wallvoord, um dos expoentes do Dispensacionalismo, escrevendo sobre Apocalipse 21:22-24, diz que a menção de “as nações”, no v. 24, refere-se aos gentios e indica que, no estado eterno, a procedência racial e espiritual será mantida. Os santos do Velho Testamento continuarão como tais; os santos da Igreja continuarão sendo o corpo de Cristo; os israelitas e gentios continuarão, respectivamente, como tais. [3]
Ainda o mesmo autor dispensacionalista, em outro livro seu, afirma, em contraste com a presente era ou dispensação eclesiástica, na qual judeus e gentios estão em pé de igualdade, que o Milênio claramente será um período em que Israel estará em proeminência. [4]
Fritz May, um autor alemão, escreve: “A comunidade de Jesus Cristo é algo diverso de Israel como Povo do Concerto. Ambos são potências autônomas, no plano salvífico de Deus. Israel e a comunidade de Jesus Cristo apresentam, simultaneamente, duas correntes salvíficas de Deus, desenrolando-se, paralelamente, até o retorno de Cristo.” [5]
O jornal A chamada da Meia-noite, edição de maio de 1979, diz: “O segundo sinal da história mundial ‘da proximidade da volta de Cristo’ é o fato de que, a partir de 1948, Israel novamente assumiu seu lugar no plano de salvação de Deus, tornando-se o centro da ação de Deus sobre a terra.”
O mesmo periódico, edição de maio de 1976, diz: “Os judeus que voltaram a Israel já deram, conscientemente ou não, o primeiro passo... tais judeus... já estão sob a ação do Espírito Santo... Por isso, somos contra missões entre judeus em Israel, porque ninguém deve intrometer-se na obra de Deus com o seu povo.”
Ainda o mesmo jornal, janeiro-fevereiro de 1978, p.13, afirma: “... a missão necessária, atualmente, não é que preguemos aos israelitas a nossa posição de cristãos, mas que preguemos de Israel ressurecto aos cristãos.”
A revista Notícias de Israel, de junho de 1981, diz: “... o apoio incondicional a Israel significa colocar-se ao lado do Senhor.”
Ainda, nessa revista, novembro-dezembro de 1980, lemos: “... Israel, como primeiro povo da terra, se converterá inteiramente ao Senhor” (Zac. 12:10-14)... Sua conversão não acontecerá pela pregação da palavra, mas pela manifestação visível do Senhor, em grande poder e glória.”
Do que acima demonstramos, torna-se evidente que os dispensacionalistas ensinam que Deus mantém, paralelamente, dois povos escolhidos e dois planos de salvação.
Vejamos o que as Escrituras dizem, começando pelo Velho Testamento, quanto à chamada Dispensação da Lei, baseada no livro de Êxodo, no cap. 19, que precede os Dez Mandamentos. Temos, da parte de Deus, as condições exigidas para a validade permanente do concerto firmado entre ele e Israel.
No v. 5, lemos: “Agora, pois, se atentamente ouvirdes a minha voz e guardardes o meu pacto, então sereis a minha possessão peculiar dentre os povos...” (negrito acrescentado).
Todo o cap. 28 de Deuteronômio consiste em uma enorme série de maldições, que advirão sobre Israel, “se, porém, não ouvirdes a voz do Senhor teu Deus” (v. 15). E, no v. 63, lemos: “E será que, assim como o Senhor se deleitava em vós, para fazer-vos bem e multiplicar-vos, assim o Senhor se deleitará em destruir-vos e consumir-vos.”
Já em Exodo 32:9, 10, quando o povo de Israel, junto ao Sinai, fez e adorou o bezerro de ouro, Deus disse: “Tenho observado este povo, e eis que é povo de dura cerviz. Agora, pois, deixa-me, para que a minha ira se acenda contra eles, e eu os consuma; e eu farei de ti uma grande nação.” A sua destruição só não ocorreu devido à intervenção angustiante de Moisés, que chegou a orar, dizendo: “Agora, pois, perdoa o seu pecado; ou se não, risca-me do teu livro, que tens escrito” (v. 32).
Se esta foi a reação de Deus devido à adoração do bezerro de ouro, quanto mais quando Israel consumou a prevaricação máxima, em matar o seu Filho, e que resultou no cumprimento da profecia de Jesus na conclusão da Parábola dos Lavradores Maus: “Portanto, eu vos digo que vos será tirado o reino de Deus, e será dado a um povo que dê os seus frutos” (Mat. 21:43).
Vejamos, agora, o que diz o Novo Testamento:

“Porque todos quantos fostes batizados em Cristo vos revestirdes de Cristo. Não há judeu nem grego... porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa” (Gal. 3:27-30 – negrito acrescentado).
“Pois em um só Espírito fomos todos nós batizados em um só corpo, quer judeus, quer gregos...” (1ªCor. 12:13).

“Onde não há grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão... mas Cristo é tudo em todos” (Col. 3:11).
Sabei, pois, que os que são da fé, esses são filhos de Abraão” (Gal. 3:7 – negrito acrescentado).
“Porquanto não há distinção entre judeu e grego; porque o mesmo Senhor o é de todos” (Rom. 10:12).
“Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio...” (Ef. 2:14).

O apóstolo Pedro, na sua primeira epístola, 2:9,10, escreve aos crentes em Cristo:
Mas vós sois geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido... (“exclusivo” de Deus)... vós que outrora não éreis povo, e agora sois povo de Deus; vós que não tínheis alcançado misericórdia, e agora a tendes alcançado” (negrito acrescentado).
continua...


[3]
Wallvoord. The Church in Profecy, p. 163.
[4]
Idem. The Millenial Kingdom, p. 302 e 303.
[5]
May, Fritz. Israel Zwischen Weltpolitik und Messiaserwartung, p. 24.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

VEJA ISSO!

Se depois de assistir a essa pregação você não parar para pensar e refletir sobre o que foi dito, então eu não sei o que pode penetrar o seu coração de pedra.

por Paul Washer
.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

AMILENISMO: Parte 4.1 - DUAS PASSAGENS CONSIDERADAS DECISIVAS PELOS MILENARISTAS - Apocalipse 20

...continuação.

IMPORTANTE: O texto a seguir é de autoria de Robert B. Strimple, professor de Teologia Sistemática no Westminster Theological Seminary.

Apocalipse 20:1-10

Obviamente, essa passagem, o único lugar na Bíblia em que aparece a referência aos “mil anos”, é uma das mais significativas para nossa discussão. George Ladd escreveu:
...até mesmo se o restante da Bíblia silenciasse completamente sobre esse assunto, esse fato não militaria contra a crença em um milênio, se a exegese do Apocalipse [revelação] o requeresse [...] Poderia ser que no Apocalipse os elementos da nova revelação fossem comunicados a João pelo Senhor, para efeitos de ocorrência de um interregno milenar.[37]
Muitos cristão concordam com Ladd aqui. Alguns reconhecem a si mesmos como “pré-milenaristas de um texto só”, com Apocalipse 20:1-10 como aquele texto no qual seu pré-milenarismo repousa.
Mas deveríamos corrigir um engano sério que a declaração de Ladd poderia causar. Alguém poderia pensar que os amilenaristas insistem que Apocalipse 20 não pode ser ensinado como um reino milenar terrestre após a vinda de Cristo, porque o restante das Escrituras emudece a esse respeito. Parece ser isso o que Ladd sugere, o que, porém, não é verdade. Os amilenaristas concordariam que se uma verdade é ensinada com inconfundível clareza na Bíblia, ela deve ser crida – mesmo que seja ensinada em um só versículo. Entretanto, o que precisa ficar claro é que os amilenaristas crêem que a Escritura não se cala simplesmente sobre esse ponto. Ela fala sobre o assunto e, assim fazendo, põe de parte um tal reino terrestre que se introduz entre a segunda vinda de Cristo e o juízo final, e o novo céu e a nova terra. Esse foi o ponto que frisamos na segunda seção deste ensaio, e essa é a insistência amilenarista de que a Escritura não se contradiz.
Os amilenaristas pretendem interpretar Apocalipse 20 de maneira consistente com o restante das Escrituras. Ladd insiste que essa é uma abordagem falsa: “A abordagem exegética deve sempre preceder a teológica [...] Ninguém pode aproximar-se das Escrituras com um sistema escatológico e ajustar os registros escriturísticos a ele”.[38] Ladd quer dizer que não deveríamos estudar Apocalipse 20 com certos preconceitos. Antes, deveríamos interpretar primeiramente o capítulo e então nos preocupar acerca de como ele se ajusta ao restante do ensino bíblico. Precisamos, certamente, concordar que essa é uma abordagem saudável de qualquer passagem bíblica. Fazemos, contudo, duas perguntas:

1) Os pré-milenaristas são fiéis a esse princípio em sua interpretação das Escrituras? Cremos que Benjamim Warfield estava correto em seu julgamento de que
Houve muito menos interpretação tendenciosa [interpretação parcial] de Apocalipse 20 no interesse de teoria preconcebida, do que houve interpretação tendenciosa do restante da Escritura no interesse de questões derivadas da má compreensão dessa obscura passagem.[39]
2) Será que esse é um princípio válido de interpretação bíblica, que porções menos claras e mais difíceis da Bíblia sejam interpretadas à luz das partes mais claras, a poesia à luz da prosa, o figurativo a luz do literal? Isso não é a mesma coisa que dizer que a interpretação pré-milenarista de Apocalipse 20 esteja perfeitamente correta e sem qualquer problema de exegese. Mas devemos questionar se devíamos estar dispostos a colocar de lado todo o NT, ou forçar interpretações artificiais com base em uma breve passagem em um apocalipse que admitidamente é altamente figurativo, rico em símbolos e, portanto, um tanto difícil.
Ladd conclui seu livro com esta declaração: “A pergunta básica permanece: O que requer a exegese de Apocalipse 20? Todas as outras considerações devem servir a essa passagem”.[40] Por certo que essa é uma declaração surpreendente! Devemos submeter todo o restante das Escrituras a Apocalipse 20, e empurrá-las, comprimi-las e ajustá-las? Entendo que essa seja uma falsa abordagem à interpretação da profecia bíblica. Como escreveu Archibald Hughes: “É um fundamento muito precário, em um livro de visões simbólicas, apanhar tal frase – ‘mil anos’ – e fazer dela um alicerce sobre o qual levantar uma superestrutura de um completo sistema interpretativo”.[41]
Ao apresentar agora uma breve interpretação de Apocalipse 20:1-10, um esboço de sete tópicos pode ser útil.

1) Observe que nada há na passagem que forneça alguma sugestão que deva ser relacionada às profecias veterotestamentárias que falam de uma era vindoura de glória nacional para Israel (veja a primeira seção deste ensaio). Essas passagens relatam a herança da Canaã terrestre e a glória para Jerusalém terrestre. Não há nada sobre isso em Apocalipse 20. Antes, ele fala sobre um reino milenar enquanto as profecias do AT falam de um reino eterno. Então, à primeira vista, poderia parecer que a presente passagem e essas profecias do AT não estão falando do mesmo assunto. Finalmente, não há nada nessa passagem apocalíptica que evidencie um elo entre elas.
2) A ordem na qual as visões aparecem no livro do Apocalipse não é, necessariamente, a ordem de cumprimento. Parece que o final do capítulo 19 nos leva diretamente ao final da era, à segunda vinda de Cristo, à grande batalha final, ao julgamento da besta e do falso profeta. Isso não quer dizer que o capítulo 20 fale do que acontecerá em seguida. As visões ali retratadas podem levar-nos à primeira vinda de Cristo e ao começo da presente era evangélica.

Nesse caso, esse não seria um fenômeno único nesse livro. Talvez o exemplo mais claro de um retorno abrupto ao começo da igreja seja encontrado no capítulo 12. Em 11:18, lemos que chegou “o tempo de julgares os mortos”. Fomos levados ao final da era no encerramento do capítulo 11. Com o capítulo 12, porém, voltamos ao começo do período do NT, com uma visão figurativa do nascimento de Cristo e de sua ascensão ao trono de Deus. Se isso pode acontecer nos capítulos 11 e 12, não podemos excluir a possibilidade de que, nos capítulos 19 e 20, também somos levados em visão à segunda vinda de Cristo, e a seguir trazidos de volta à primeira vinda. Não devemos simplesmente supor que o capítulo 20 tenha de descrever eventos que acontecem depois dos acontecimentos descritos no capítulo 19.

3) Há duas visões em Apocalipse 20:1-10 unidas pela frase “mil anos”. Assim, podemos concluir que as duas são contemporâneas. Não obstante, elas são visões separadas. Os versículos 1-3 e 7-10 caminham juntos. Eles falam sobre Satanás: Satanás amarrado e Satanás liberto. Os versículos de 4 a 6 são um pouco parentéticos e nos dão uma visão distinta de almas, de tronos e de reinado. Entendemos que uma das visões se refere a certos eventos terrenos, e que a outra visão trata de uma porta aberta numa situação celestial.
4) Como devemos interpretar o símbolo de Satanás sendo “amarrado”? O capítulo 12 já falou de certa restrição ao dragão, Satanás, depois da ascensão de Cristo. Satanás não pode realizar seu propósito. Ele quis destruir a mulher e sua descendência, mas não conseguiu fazer isso. Ele é contido por Deus. Será que o capítulo 20 tem em vista outra fase de Satanás em que ele será reprimido, alguma coisa independente daquilo que foi escrito no capítulo 12? Ou será esse exemplo uma espécie de redeclaração em termos um pouco diferentes e de símbolos diversos que são característicos de Apocalipse? Talvez 20:1-3 esteja falando de outro aspecto da restrição colocada sobre Satanás, como conseqüência da obra redentiva de Cristo e de sua glorificação triunfante.
Devemos lembrar-nos do ensino escatológico do NT como um todo, que é apresentado em termos não de um, mas de dois grandes pontos culminantes: a primeira vinda de Cristo e a segunda vinda de Cristo. Com a segunda vinda de Cristo haverá plena e completa consumação. Mas já na primeira vinda de Cristo temos o que poderíamos chamar de consumação antecipatória. Temos a batalha decisiva e a grande vitória conquistada. Em sentido real, o reino de Deus já veio e Cristo já lidou de forma decisiva com Satanás.
É importante recordar como a obra de Cristo em sua primeira vinda é descrita no NT, em relação a Satanás. Em Mateus 12:28,29, nosso Senhor diz:
Mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus.
Ou, como alguém pode entrar na casa do homem forte e levar dali seus bens, sem antes amarrá-lo? Só então poderá roubar a casa dele.
Esse é um grande evento escatológico: O reino de Deus chegou! Para explicar esse evento, nosso Senhor nos conta uma breve parábola. Como alguém vai lançar mão das posses de um homem forte, posses que ele obteve, sem dúvida, por meios ilegais? O modo de fazer isso é primeiro amarrá-lo (o verbo grego traduzido aqui por “amarrar” pela NVI é o mesmo usado em Ap 20:2); e então lhe surrupiar os bens. Jesus propõe essa parábola para descrever claramente a missão que veio cumprir.
Em João 12:31, quando nosso Senhor fala do significado de sua morte vindoura, diz: “Chegou a hora de ser julgado o príncipe deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo”. O dia do juízo chegou e o príncipe deste mundo (Satanás) será expulso (o verbo grego empregado aqui é o mesmo de apocalipse 20.3, “lançar”, com acréscimo do prefixo “fora”). “Agora”, Jesus diz, por meio de sua obra expiatória, isso acontecerá (leia todo o contexto de Jo 12:20-33).
Em Colossenses 2:15, o apóstolo Paulo descreve de forma vívida a vitória de Cristo na cruz sobre os poderes demoníacos: “E, tendo despojado os poderes e as autoridades, fez dele um espetáculo público, triunfando sobre eles na cruz”. Cristo desarmou as hostes satânicas. Que grande vitória!
Hebreus 2:14,15 fala de Cristo assumindo nossa humanidade “portanto, visto que os filhos são pessoas de carne e sangue, ele também participou dessa condição humana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da morte, isto é, o diabo, e libertasse aqueles que durante toda a vida estiveram escravizados pelo medo da morte”. Essa linguagem é incrivelmente poderosa, podemos pensar – o diabo destruído! (O verbo grego é o mesmo que Paulo utiliza em 1Coríntios 15:26 com referência a Cristo destruindo a morte, o último inimigo, na ressurreição.) Não é o NT que nos diz que “o diabo, o inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a que possa devorar” (1Pe 5:8)? Sim, ele o faz; e o que Pedro está dizendo é verdade. Mas note o tipo de linguagem que o escritor de Hebreus usa para descrever a vitória de Cristo sobre Satanás na cruz, porquanto ele vê essa vitória como eternamente significativa.
Em 1João 3:8, lemos que “para isso o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do diabo”. No contexto, João está dizendo que se você estiver fazendo as obras do diabo, então mostra estar do lado de um inimigo derrotado. Cristo é o vencedor. Se você é verdadeiramente de Cristo, não se ocupará das obras do diabo.
Em outras palavras, o NT enfatiza dois pontos culminantes na vitória de Cristo sobre Satanás: a vitória na cruz e a vitória em sua segunda vinda. Devemos perguntar então: Essa dupla estrutura culminante é preservada em Apocalipse 20:1-10? Ou será que temos aqui uma nova característica que requeira uma revisão significativa da perspectiva básica do NT? Estamos nós agora prestes a adotar uma perspectiva que vê três focos culminantes: 1) vitória na cruz e na ressurreição; 2) vitória na segunda vinda de Cristo e na inauguração de seu reinado milenar e 3) vitória final ao término do milênio?
Ao examinarmos a passagem, descobrimos boa razão para sugerir que Apocalipse 20 não apresenta tal modificação da consistente perspectiva neotestamentária. Antes, Apocalipse 20:1-10 é uma representação figurada da vitória de Cristo sobre Satanás em cada um dos dois pontos culminantes.
Na cruz, Satanás é aprisionado – mas não absolutamente. Apocalipse 20:2,3 não diz que Satanás está preso, e ponto final. Ele está cativo em um só aspecto, isto é, “impedido de enganar as nações [os gentios]”. A era da salvação para os gentios chegou. Antes do ministério de Cristo, Israel era a única nação chamada dentre todas as nações do mundo para conhecer as bênçãos de Deus e servi-lo. Havia exceções, naturalmente – aqueles que vieram a conhecer a graça de Deus, embora não fossem filhos de Abraão segundo a carne. Mas, essencialmente, todas as nações da terra estavam em escuridão, sob o engano de Satanás. Entretanto, louvado seja Deus! Cristo veio e realizou sua obra redentora. No dia de Pentecostes, o Espírito Santo foi derramado sobre “todos os povos” (At 2:17), o que significa que o evangelho de Cristo é para todas as nações, e não apenas para o povo judeu. A era das missões mundiais havia começado, e a obra enganadora de Satanás, operada em grande escala por muitos séculos, chegara ao fim. O próprio Senhor ressurreto deu a seus apóstolos esta comissão (At 26:17,18):
Eu o livrarei do seu próprio povo e dos gentios, aos quais eu o envio para abrir-lhes os olhos e convertê-los das trevas para a luz, e do poder de Satanás para Deus, a fim de que recebam o perdão dos pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim.
Antes de deixar a referência ao aprisionamento de Satanás em Apocalipse 20, há um texto adicional digno de nota. Muitos cristãos acreditam sinceramente que dizer que Cristo aprisionou Satanás na cruz é incompatível com a presente atividade real de Satanás. Mas, considere o quadro apresentado em Judas 6 (v. 2Pe 2:4):
E quanto aos anjos que não conservaram suas posições de autoridade, mas abandonaram sua própria morada, ele os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia.
O que significa isso? Será que significa que toda a linguagem de Paulo sobre a nossa luta contra os poderes demoníacos das trevas (Ef 6:11,12) é uma retórica muito adornada? Afinal de contas, os demônios estão em correntes. Não há luta real alguma para o cristão nessa vida, certo? Errado! A declaração de Judas não significa nada disso. Não significa que esses anjos decaídos não estejam ativos. Significa que eles estão operantes dentro dos limites da permissão divina, e que seu fim está traçado.
Então, poderíamos muito bem perguntar: Se Judas, por inspiração do Espírito, pôde descrever todos esses demoníacos seres como estando agora em correntes eternas, por que deveríamos interpretar que a prisão de Satanás como uma referência ao que é verdadeiro agora seja de alguma maneira incompatível com a atividade satânica atual? Essa é a linguagem bíblica, que não é mais contraditória em relação à atividade presente de Satanás do que Judas 6 é contraditório em relação à atividade presente de toda a hoste de anjos caídos.
5) Em Apocalipse 20:8, temos uma referência à “batalha”. O texto grego tem o artigo definido “o”, e é importante não deixar esse fato passar despercebido, porque lemos sobre “a batalha” em outros pontos do livro de Apocalipse. Em 16:14, por exemplo, lemos: “São espíritos de demônios que realizam sinais miraculosos; eles vão aos reis de todo o mundo, a fim de reuni-los para a batalha do grande dia do Deus Todo-Poderoso”. E em 19:19: “Então vi a besta, os reis da Terra e os seus exércitos reunidos para guerrearem [no texto grego o nome com o artigo definido aparece aqui; literalmente, ‘a batalha’ contra aquele que está montado no cavalo e contra o seu exército]”.
Em 16:14, os reis são convocados para a batalha. Em 19:19, a besta e os reis da terra vêm para a batalha. Em 20:8, Satanás conduz sua hoste para a batalha. Parece claro que esse três textos não descrevem três batalhas, mas uma. O novo ponto revelado em 20:8 (porque o Apocalipse nunca se repete por mera repetição como algo novo é revelado a cada vez) é o que acontece a Satanás em resultado dessa batalha. O capítulo 19 registra o que sucederá com a besta e o falso profeta, como resultado de sua derrota nessa batalha. Aqui, em 20:10, aprendemos o que ocorrerá com Satanás. Os versículos interpostos entre 19:19 e 20:10 nos levam de volta a primeira vinda de Cristo, e a prisão de Satanás como resultado de sua obra redentora.
6) Chegamos agora à cena parentética dos versículos 4-6, acerca do reinado dos santos, em que o véu de separação entre céu e terra é afastado e nos é permitido dar uma rápida olhada nos santos de Deus reinando com Cristo. Observe que não há referência alguma nesses versículos, direta ou indiretamente, a coisas ou negócios terrestres. De fato, em termos de vocabulário, essa visão é muito semelhante às outras visões celestiais no Apocalipse.
Permitam-me explicar. Em 20:4, há uma referência às “almas” (psychai). Essa palavra pode ser usada no NT para referir-se simplesmente a “pessoas”. No texto grego de Atos 2:41, por exemplo, lemos que três mil psychai foram salvas no dia de Pentecostes. Nessa declaração, não há ênfase alguma no aspecto de “alma” como oposta a “corpo” do ser humano. Mas no contexto de Apocalipse 20:4, em que João vê “as almas dos que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus”, parece que esse texto pretende apontar para um contraste entre alma e corpo.
Há aí também uma referência a tronos. Em todo o Apocalipse, o trono de Cristo e seu povo sempre estão no céu.[42] Em 3:21, é feita uma promessa especifica: “Ao vencedor darei o direito de sentar-se comigo em meu trono, assim como eu também venci e sentei-me com meu Pai em seu trono”. Apocalipse 20:4 retrata o cumprimento dessa promessa bendita.
Os versículos 4-6 formam a visão do reinado dos cristãos com seu Salvador, após eles partirem desta vida e enquanto esperam a segunda vinda de Cristo, a ressurreição e a felicidade eterna. Os santos são descritos como mártires por seu Senhor. Talvez esse retrato represente todo o povo de Deus. Nas visões do Apocalipse “todos são santos ideais ou pecadores ideais”.[43] Note no versículo 5, os mártires são contrastados com “o restante dos mortos” – aqueles que conhecerão “a segunda morte”. Em outras palavras, eles são contrastados com “todos os descrentes”.
No versículo 5, lemos que “o restante dos mortos não voltou a viver até se completarem os mil anos”. A observação que João faz não é que eles então viverão. Antes, ele enfatiza que os descrentes não usufruirão a maravilhosa bênção de viver e reinar com Cristo durante os mil anos. Lembre-se do que dissemos antes, quando consideramos Romanos 11:25, sobre a força escatológica conclusiva do termo “até”. Recorde-se também do que falamos ao considerar 1Coríntios 15:22, sobre o rico significado salvífico da vida em Cristo, vida que é realmente vida. Como nosso Senhor nos disse em João 5:29, apenas “os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida [...] e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados” (grifo do autor).
É mencionado, em Apocalipse 20:6 e 14, que a única coisa que espera esse mortos após os mil anos é “a segunda morte”. Não é que João negue que eles serão ressuscitados corporalmente para enfrentar o juízo (v. 13). Mas ele nunca descreve os descrentes como “vivos” ou “ressurretos”. Seus nomes simplesmente não estão escritos “no livro da vida” (v. 15, grifo do autor). Muito embora possam estar diante do grande trono branco em juízo, eles são descritos como “mortos” (v. 12).
Em outras palavras, o quadro de João não retrata que os crentes vivem na segunda vinda de Cristo e os descrentes vivem no final do milênio. Os incrédulos verdadeiramente nunca vivem. Os crentes vivem e reinam com Cristo por mim anos. O restante dos mortos, diz João, não desfrutam essa maravilhosa bênção. Eles não vivem durante esses mil anos. O que eles experimentarão em vez disso? A segunda morte.
Nos versículos 5 e 6, João fala da “primeira ressurreição”. Essa frase implica claramente uma segunda ressurreição. Mas isso significa que, afinal, o pré-milenarismo está correto, que haverá duas ressurreições, a dos crentes na segunda vinda de Cristo e a dos mortos mil anos após? Não! A referência à primeira ressurreição implica uma segunda – uma segunda ressurreição para as mesmas pessoas! De forma semelhante, “a segunda morte” (v. 6) implica a primeira morte – mas também para as mesmas pessoas, os descrentes.
Poderíamos dizer que o crente em Cristo experimentará uma morte e duas ressurreições. A primeira ressurreição ocorre quando ele parte desta vida e é imediatamente conduzido à presença de Cristo para reinar com ele. A segunda ressurreição será corpórea na segunda vinda de Cristo, quando os crentes são apontados para o estado eterno (1Co 15:50). Os incrédulos, por contraste, experimentarão apenas uma ressurreição – e a ressurreição da condenação –, mas eles sofrerão duas mortes. A primeira morte é psicofísica, na terra. A segunda morte será eterna, em seguida ao julgamento.
O apóstolo João, porém, não fala que o crente conhecerá a morte! – ou que o incrédulo passará pela ressurreição. Como Meredith G. Kline observa:
Da mesma maneira que a ressurreição do injusto é paradoxalmente identificada como “a segunda morte”, assim a morte do cristão é paradoxalmente identificada como “a primeira ressurreição [...]” O que para os outros é a primeira morte, para o cristão é a verdadeira ressurreição.[44]
7) Apocalipse 20, então, apresenta um panorama da era evangélica, os propósitos de Deus na terra e a bênção de seu povo no céu, seguidos de uma vívida narrativa do juízo final e da consumação. Mas qual é o significado do número “mil”? Podemos supor quer o número é simbólico, pois os números são usados simbolicamente em todo o Apocalipse. Mas qual é o significado desse símbolo? É impossível ser dogmático sobre tal assunto, mas a sugestão de Geerhardus Vos é certamente interessante:
O simbolismo dos mil anos consiste no seguinte: contrasta o estado glorioso dos mártires com o breve tempo de tribulação passado na Terra, por um lado, e com a vida eterna da consumação do outro.[45]
A visão de João é determinada pelo Espírito para a edificação e o fortalecimento do povo de Deus de todas as épocas. Por isso os cristãos são encorajados a combaterem o bom combate (2Tm 4:7), tendo toda a garantia de que em Cristo eles vencerão o maligno para reinar com seu Salvador.
O povo de Deus em todos os tempos foi salvo “em esperança” (Rm 8:24). A esperança dos santos da antiga aliança foi orientada para a vinda do prometido Redentor divino. As riquezas do Messias e de sua obra redentiva lhes foram retratadas, de forma expressiva, em termos dos elementos centrais de sua experiência religiosa: a terra de Canaã, a cidade de Jerusalém, o trono de Davi, o templo e a própria nação de Israel.
Porque ele é Deus encarnado, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, em Jesus, as duas principais linhas da expectativa messiânica do Antigo Testamento convergem: 1) a promessa de que o próprio Deus viria e se revelaria como Senhor (por exemplo, a profecia de Isaías 40:3, sobre uma voz clamando no deserto para preparar “o caminho para o Senhor”, foi cumprida no ministério de João Batista preparando o caminho para Jesus [Mt 3:1-3]); 2) a promessa de que o Senhor enviaria seu Servo ungido. Em Jesus convergem as duas linhas da expectativa escatológica. Ele que é “Cristo do Senhor” (Lucas 2:26), é também, ao mesmo tempo, “Cristo, o Senhor” (Lucas 2:11).
Como aqueles sobre quem “tem chegado o fim dos tempos” (1Co 10:11), nós cristãos temos o inestimável privilégio de conhecer o cumprimento da esperança do AT. Por causa da obra concluída do crucificado e ressurreto Senhor Jesus Cristo e do ministério do Espírito Santo que ele derramou sobre a igreja no Pentecostes, experimentaremos todas as maravilhosas bênçãos da vida em união com Cristo.
Mas nós continuamos caminhando pela fé e vivendo em esperança. O dia da consumação ainda jaz adiante. A perfeição da bênção para o povo de Deus virá somente quando o próprio Cristo aparecer pela “segunda vez, não para tirar o pecado, mas para trazer salvação aos que o aguardam” (Hb 9:28). Aquela “manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo” (Tt 2:13) dará início ao grand finale da história redentiva: a ressurreição dos crentes, a ressurreição dos descrentes, o julgamento de todos, os novos céus e a nova terra e a inauguração do reino final de Deus, o bendito estado eterno dos redimidos. Essa é “a bem-aventurada esperança” da igreja, e por essa esperança somos sustentados para servir ao nosso Deus em amor e alegria, através de toda tribulação, até que toda a nossa esperança seja cumprida no retorno de nosso Salvador.

Chegamos ao final da série de estudos sobre o milênio pelo ponto de vista amilenista, por Robert B. Strimple.

[37] Crucial questions, p. 181-2.
[38] Ibid., p. 135.
[39] Biblical doctrines, New York: Oxford, 1929, p. 643.
[40] Crucial questions, p. 183.
[41] A new heaven and a new earth, Philadelphia: Presbyterian and Reformad, 1958, p. 56.
[42] V. 1:4; 3:21; 4:5; 6:16; 7:9ss.; 8:3; 12:5; 14:3; 16:17; 19:4,5; 20:4,11; 21:5; 22:1,3.
[43] William John Dey, The message of the book of Revelation, Londres: Oxford Univ. Press, 1924, p. 10.
[44] The first resurrection, Westminster Theological Journal (Spring, 1975), p. 371.
[45] Eschatology, The international standard Bible encyclopedia, Chicago: Howard-Severance, 1915, p. 987.
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