IMPORTANTE: O texto a seguir é de autoria de David J. Engelsma. Pastor reformado e professor de Antigo Testamento no Protestant Reformed Seminary.O pós-milenismo – no que diz respeito ao ensino das últimas coisas, sobretudo a vitória terrena da igreja e o início de uma era de ouro na história futura – embasa sua teoria na profecia do Antigo Testamento, mas, decisivamente, não na doutrina do Novo Testamento sobre os dias que conduzem à vinda de Cristo.
Segundo ele (o pós-milenismo), a profecia do A.T. prevê uma perspectiva gloriosa para Judá e Jerusalém. Uma dessas passagens é Isaías 65:17-25. Nela, Deus cria novos céus e nova terra (v. 17). Neste mundo novo, Jerusalém e os seus cidadãos se regozijarão (v 18). Não haverá quem morra jovem e os velhos pecadores serão amaldiçoados (v. 20). Os habitantes de Jerusalém viverão produtiva, rentável e pacificamente, livre da decepção, oposição e dificuldade. Construirão casas e viverão nelas, plantarão vinhas e comerão do seu fruto; viverão uma vida sem lágrimas (vs 19-23). Esta vai ser a alegria deste novo mundo em que até mesmo os animais vão viver em paz:
“O lobo e o cordeiro se apascentarão juntos...” (v. 25).
De acordo com o pós-milenista reconstrucionista Gary North, isso prova que, quanto mais a igreja trabalha de forma agressiva para “dominar” as nações e a cultura, tão logo haverá um longo período de vitória terrena, prosperidade e paz na terra para os santos antes da segunda vinda de Cristo. Este será o reino messiânico de Jesus em sua glória final. North comenta:
“A passagem de Isaías 65 profetiza o começo de uma nova era na terra antes do julgamento final (uma vez que o pecado ainda estará presente) em que haverá grandes bênçãos materiais, incluindo a possibilidade de viver por um longo tempo” (Prefácio, em Kenneth L. Gentry Jr., He Shall Have Dominion, Institute for Christian Economics, 1992, p. xxvii, para uma explicação mais extensa dessa passagem, por North em agosto de 1996, p. 439, 440).
Para o pós-milenista, a passagem de Isaías 65 não é apenas uma das muitas profecias do Antigo Testamento que prevêem um futuro glorioso de poder terreno e de paz para a Igreja na história, mas é também a passagem que apóia a posição pós-milenista contra o amilenismo. Segundo North, é...
..."uma passagem mais do que qualquer outra na Bíblia, que refuta categoricamente o amilenismo" (He Shall Have Dominion, p. xxviii).
O erro de uma interpretação literal da profecia.A interpretação pós-milenista da passagem é falha. O erro é evidente e grave. O deslize está em interpretar a profecia do A.T. de forma literal, de modo que o seu cumprimento passa a ser terreno, e não espiritual.
North livremente reconhece que sua interpretação da passagem em questão é literal. Ele se orgulha disso como se fosse uma virtude, e se empenha na luta contra a interpretação espiritual amilenista, tratando-a como uma falha. Ele diz:
“um pós-milenista pode interpretar essa passagem literalmente: uma era vindoura de vastas bênçãos no milênio antes do retorno de Jesus no julgamento final. O mesmo pode fazer um pré-milenista... mas o amilenista não pode admitir a possibilidade de que tal era seja literal, tanto quanto admitir uma cultura grandemente abençoada na história. Sua escatologia nega qualquer literalismo, assim como o triunfo do cristianismo. Portanto, ele tem que espiritualizar ou 'alegorizar' esta passagem” (He Shall Have Dominion, p. xxviii).
Ora, comparar a interpretação espiritual da profecia do A.T. com “alegorização”, ou é ignorância, ou é malícia. Ambos são imperdoáveis para quem afirma ser um defensor da fé reformada. Mas o nosso interesse é atraído para essa alarmante admissão pós-milenista de uma interpretação literal da profecia do A.T.
Será que ele não sabe que essa insistência em uma interpretação literal das profecias do A.T. faz com que o pós-milenista reconstrucionista rompa com toda a tradição reformada? Comentando sobre essa passagem em discussão (Isaías 65:17-25), João Calvino escreveu:
“Agora os profetas esperam aquelas coisas relacionadas com a vida presente, e emprestam metáforas delas; mas isto é uma orientação ensinada por eles para subirmos mais alto e abraçar a abençoada vida eterna. Não devemos fixar nossa atenção em bênçãos passageiras, mas devemos fazer uso delas como uma escada, que, sendo elevada até o céu, podemos desfrutar de bênçãos eternas e imortais” (Comentário sobre o livro do profeta Isaías, vol. 4, Eerdmans , 1956, p. 401).
Expressando, não uma particularidade reformada holandesa, mas o consenso protestante, o grande teólogo holandês e reformado Herman Bavinck escreveu:
“E este reino (do Messias) é esboçado pelos profetas em tons e cores, com figuras e formas, que foram todas derivadas das circunstâncias históricas em que viveram ... Mas naquelas sensíveis formas terrenas a profecia coloca um conteúdo eterno... Pinturas proféticas para nós, mas uma única imagem do futuro. Ou esta imagem deve ser tomada literalmente como ela se apresenta (causando uma ruptura com o cristianismo e levando a um enganoso retorno para o Judaísmo), ou ela exige uma interpretação muito diferente do que a tentada pelo chiliasmo (milenismo).”
Esta "muito diferente" e correta interpretação das profecias do Velho Testamento é, continua Bavinck, "simbólica" e "espiritual" (The Last Things, Baker, 1996, pp.90-98).
Gary North não sabe que a questão da interpretação literal ou espiritual da profecia do A.T. é o ponto básico entre o pré-milenismo dispensacionalista que contradiz a fé reformada – com sua teoria do "arrebatamento" – e a reformada teologia da aliança?
Os pós-milenistas não vêem que os Espírito de Cristo falando no N.T. nós dá uma simbólica e espiritual interpretação da profecia do A.T.? A “reconstrução” do tabernáculo de Davi não é cumprida na restauração do domínio terrestre exercido por sua linhagem real, mas na salvação espiritual dos gentios (comparar Amós 9:11 com Atos 15:16-19).
Ainda, Deus os chama de “meu povo”. A expressão “que não era Meu povo” não é referência ao Israel terrestre como o literalista espera, mas a igreja espiritual formada por judeus e gentios (comparar Oséias 1 e 2 com Romanos 9:24-26).
O novo templo de Ezequiel não é uma construção física que ainda será erguida na cidade de Jerusalém, mas o corpo espiritual de Jesus Cristo (comparar Ezequiel 40-48 com João 2:18-22 e I Pedro . 2:1-10).
Bavinck, de maneira não muito severa, disse que, interpretar literalmente as profecias do A.T. é o mesmo que...
...“romper com o cristianismo e retornar ao judaísmo.”
O reconstrucionista com sua declarada interpretação literalista da profecia do A.T., sua imposição das leis civis – que regulavam a nação de Israel – aos cristãos do N.T. (se não para os dias atuais, então com a vinda do milênio), e sua vontade de impor cerimônias, como as leis dietéticas dos judeus e os trajes dos sacerdotes judeus sobre a igreja da nova dispensação, sucumbiu a este perigo mortal.
Comumente o pós-milenismo flerta com esta terrível heresia por causa da sua identificação do reino messiânico com um reino terreno de domínio físico, prosperidade material e paz mundial. Esta foi, e é, a esperança dos judeus (cf. João 6). O motivo é uma interpretação literal das profecias do A.T.
A impossibilidade de uma interpretação literal.Seja qual for o significado de Isaías 65:17-25, ela não é uma profecia de melhoria da presente forma da criação, como por exemplo, melhores casas, campos e condições de trabalho, extensão da vida física em centenas de anos e diminuição dos problemas do mundo.
O cumprimento de Isaías 65:17-25 não é terreno.
A profecia não pode ser interpretada literalmente. O N.T. ensina que toda profecia é cumprida espiritualmente em Jesus Cristo. Seu evangelho e Sua Igreja não ensinam este literalismo.
Decididamente a passagem de Isaías 65 não pode ser interpretada literalmente, e Gary North erra ao fazê-lo. Caso contrário, significa que a Jerusalém literal e terrena do A.T. juntamente com os judeus, vão ser o principal deleite de Deus na vinda do reino messiânico (v. 18).
Interpretada literalmente, a passagem ensina que em nenhum lugar alguém irá chorar na “era de ouro”: não chorará a mãe que dá a luz, a criança que é castigada pelo pai, o pecador arrependido, pessoas no velório de um ente querido, etc. Porque:
“...nunca mais se ouvirá nela voz de choro nem voz de clamor.” (v. 19).
Além disso, uma interpretação literal exige que antes da segunda vinda de Cristo, antes da renovação radical de todas as coisas, o lobo feroz será amigável com o cordeiro e que os leões pastarão (v. 25).
Assim, os reconstrucionistas são muito otimistas, como eles mesmos costumam dizer. Mas mesmo o mais otimista deles realmente espera que esta mudança radical no mundo animal antes da segunda vinda de Cristo aconteça? As rãs deixarão de comer insetos? Aranhas não apanharão mais as moscas? Visto que os cordeiros estarão a salvo dos lobos e os bois dos leões, eles também irão estar a salvo dos cristãos? Vamos todos nos tornar vegetarianos no milênio? Pois isso é exigido por uma interpretação literal.
North, Gentry, e seus companheiros não podem explicar literalmente as gloriosas palavras da abertura desta importante profecia:
“Porque, eis que eu crio novos céus e nova terra” (v. 17).
Interpretar literalmente, como diz North, não é falar vagamente de uma...
...“transformação fundamental da forma como funciona atualmente o nosso mundo”.
Mas Isaías não profetiza isso. Ele profetizou um “novo” mundo. Essa será a novidade, disse o profeta, que será radicalmente diferente do mundo atual. Será um novo mundo distinto do mundo “antigo”.
Este mundo novo não surgirá por uma transformação gradual, muito menos por uma transformação “advinda de uma mudança ética de uma grande parcela da humanidade”, como explica North. Em linguagem simples, o novo mundo de Isaías 65 não virá a existir pelos esforços da Igreja em dominar a cultura, nem como resultado da obediência dos homens à lei.
Mas Deus “criará” um novo mundo. A palavra em hebraico é
bârâ’, que descreve a ação exclusivamente divina de chamar à existência as coisas que não são como se fossem. Por um milagre do poder, sabedoria e bondade de Deus, comparável e superando a maravilha da criação original dos céus e da terra, um novo mundo irá substituir o antigo. Esta maravilha será um ato de pura graça, não algo que os santos mereçam por manter a lei.
A interpretação de North não faz justiça ao claro sentido do pensamento principal desta importante profecia, e explicá-la literalmente muito menos.
Isaías 65:17-25 não fala sobre o mundo atual, Jerusalém, judeus, vida longa e livre de problemas, belas casas, boas fazendas, abundância de recursos, momentos felizes e lobos mansos.
Trata-se de Jesus Cristo, Sua Igreja, salvação, vida eterna e um novo e diferente mundo.
Trata-se do Cristo espiritual, de um povo espiritual, da salvação espiritual, bênçãos espirituais, vida espiritual e um mundo espiritual.
Se a profecia não é sobre isso, então os judeus podem ficar com ela.
O cristão não está interessado.
continua...Traduzido por MAC.